A noite é quase gelada...
Contudo, Mariazinha
É a menina de outras noites
Que treme, tosse e caminha...
Guizos longe, guizos perto...
É Natal de paz e amor.
Há muitas vozes cantando:
“Louvado seja o Senhor!”
A rua parece nova
Qual jardim que floresceu.
Cada vitrine enfeitada
Repete: “Jesus nasceu!”
Descalça, vestido roto,
Mariazinha lá vai...
Sozinha, sem mãe que a beije,
Menina triste, sem pai.
Aqui e ali, pede um pão...
Está faminta e doente.
-“Vadia, saia depressa!”
É o grito de muita gente.
-“Menina ladra! outros dizem.
-“Fuja daqui, pata feia!
Toda criança perdida
Deve dormir na cadeia.”
Mariazinha tem fome
E chora, sentindo em tormo
O vento que traz o aroma
Do pão aquecido ao forno.
Abatida, fatigada,
Depois de percurso enorme,
Estira-se na calçada...
Tenta o sono mais não dorme.
Nisso, um moço calmo e belo
Surge e fala, doce e brando:
- Mariazinha, você
Está dormindo ou pensando?
A pequenina responde,
Erguendo os bracinhos nus:
- Hoje é dia de Natal,
Estou pensando em Jesus.
- Não recorda mais alguém?
E ela, a chorar, disse: -Eu
Penso também com saudade,
Em minha mãe que morreu...
- Se Jesus aparecesse,
Que é que você queria?
- Queria que ele me desse
Um bolo da padaria...
Depois de comer, então
- E a pobre sorriu contente
Queria um par de sapatos
E uma blusa grande e quente...
Depois... queria uma casa,
Assim como todos têm...
Depois de tudo... eu queria
Uma boneca também...
- Pois saiba Mariazinha,
Eu lhe digo que assim seja!
Você hoje terá tudo
Aquilo que mais deseja.
- Mas, o senhor quem é mesmo?
E ele afirma, olhos em luz:
- Sou seu amigo de sempre,
Minha filha, eu sou Jesus!...
Mariazinha, encantada,
Tonta de imensa alegria,
Pôs a cabeça cansada
Nos braços que ele estendia...
E dormiu, vendo-se outra,
Em santo deslumbramento,
Aconchegada a Jesus
Na glória do firmamento.
No outro dia, muito cedo,
Quando o lojista abre a porta,
Um corpo caiu de leve...
A menina estava morta.
Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Antologia Mediúnica do Natal. Ditado pelo Espírito Francisca Clotilde.